TEATRO: AMOR, VERMELHO AMOR

TEATRO DO OPRIMIDO 
PEÇA: Amor, Vermelho Amor!  
AUTORIA: Lúcia Peixoto 

CONTEXTO: Século XXI, Rua de uma grande cidade brasileira. 


João (Seu Jão) Operário da construção civil e sua esposa Maria da Conceição (Dona Ceiça), vendedora de doces, trabalham duro para criar os filhos João e Maria. Tudo sob o olhar atento e repressor do “Segurança da ordem pública” 
1ª Cena: Seu Jão e dona Ceiça apresentam a dura vida de retirante, dialogando com a música  Cidadão do mundo. 
2ª Cena: Intertextualidade com a obra Morte e Vida Severina, o casal contracena com Severino sua companheira Meire Cleide, artistas que apresentam seu espetáculo na rua. Os defendendo da ação repressora do  “Segurança da ordem pública”. 
3ª Cena João e Maria são confrontados com a realidade. 
4ª Cena: Desfecho final decidido pelo coletivo 

DONA CEIÇA MONTA SUA BANCA DE DOCES, SEU JÃO PREPARA A MASSA DE CIMENTO ENQUANTO JOÃO E MARIA BRINCAM COM UMA BOLA DE JORNAL. CANTAM E/OU RECITAM A MÚSICA CIDADÃO DO MUNDO.  
Seu JãoTá vendo aquele edifício moçoAjudei a levantar. 
Dona Ceiça: Foi um tempo de afliçãoEram quatro condução Duas prá ir, duas prá voltar 
Seu Jão: Hoje depois dele prontoOlho prá cima e fico tonto... 

SURGE UM SEGURANÇA DE TERNO E GRAVATA 
 Segurança: Tu tá aí admirado? Ou tá querendo roubar?" 
Seu JãoMeu domingo tá perdidoVou prá casa entristecido Dá vontade de beber/prá aumentar meu tédioEu nem posso olhar pro prédioQue eu ajudei a fazer... 
Dona Ceiça :Tá vendo aquele colégio moço? 
Seu Jão: Eu também trabalhei láLá eu quase me arrebentoFiz a massa, pus cimento / Ajudei a rebocar  Minha filha inocente ... 
Maria: Pai vou me matricular! 
Segurança: "Criança de pé no chão Aqui não pode estudar" 
Dona Ceiça e Seu Jão: Essa dor doeu mais fortePor que é que eu deixei o norteEu me pus a me dizerLá a seca castigavaMas o pouco que eu plantava / Tinha direito a comer... 
Seu Jão: Tá vendo aquela igreja moçoOnde o padre diz amém /Pus o sino e o badaloEnchi minha mão de calo... 
Dona Ceiça e Seu Jão: Lá eu trabalhei também! 
ENTRAM O PADRE E VÁRIAS PESSOAS (QUERMESSE) 
Padre: "Rapaz deixe de toliceNão se deixe amedrontarFui eu quem criou a terraEnchi o rio, fiz a serraNão deixei nada faltar Hoje o homem criou asaE na maioria das casasEu também não posso entrarFui eu quem criou a terraEnchi o rio, fiz a serraNão deixei nada faltarHoje o homem criou asas/ E na maioria das casa/ Eu também não posso entrar" 
FORMA-SE UMA QUADRILHA JUNINA. JOÃO E MARIA CORREM POR ENTRE AS PESSOAS.  
2ª CENA: JOÃO E MARIA ADOLESCENTES, UNIFORME ESCOLAR ESPERAM O ÔNIBUS. ELA MASCA CHICLETE COM FONES DE OUVIDO, DONA CEIÇA VENDE NA BANCA E SEU JÃO LEVANTA O MURO. ELE JOGA NO CELULAR COM FONE DE OUVIDO. SURGE UM ARTISTA DE RUA, IGNORADO POR ELES. UTILIZANDO UMA CAIXA DE PAPELÃO FAZ UM SHOW DE FANTACHES INTERAGINDO COM O PÚBLICO. 
Severino: (Dirigindo-se aos irmãos) Bom dia moça bonita! Bom dia garboso rapaz! (Ignorado) Bom dia senhor, Bom dia senhora...  
Dona Ceiça e Seu Jão: Dia! 
Severino: É vida dura... dura pra quem é mole... pra quem é duro de grana só resta o bom humor pra amolece a danada da vida... rapadura é doce mais é mole não... Precisa atravessar a rua não, nem carece se assustar com meu falatório... eu podia tá roubando, furtado, me prostituindo ne mesmo?, mas o que faço na vida não é nada disso não... eu sou um arteiro, um sonhador, um retirante Severino... (Arruma a caixa, palco do teatro de boneco) 
Seu Jão: (Sem parar o trabalho) Igual ha tantos Severinos que João Cabral de Melo Neto Cantou. 
Dona Ceiça: (Trabalhando) Iguais em tudo na vida: na mesma cabeça grande   que a custo é que se equilibra, no mesmo ventre crescido   sobre as mesmas pernas finas   e iguais também porque o sangue,  que usamos tem pouca tinta. 
Severino: Como eu estava explicando, sou Severino artista, fazendo de arte, sempre trago comigo minha companheira Meire Cleide é o nome do meu amor... Já nasceu com nome de artista Meire Cleide minha flor! Ta embuchada a bichinha... Posso ser cabeça grande, barrigudinho... mas tenho um amor doido por ela, ela também ama eu ochente! E nós dois junto, eu e ela, ela mais eu... Fagner tocando na Web... sou Severino mais sou chique bem... tenho até celular com Wi-Fi... Escuta só... nossa melodia... de Meire Cleide mais eu! (Dubla a musica, acalento da paixão, enquanto prepara-se para a apresentação.) 
AO FINAL DA MÚSICA ENTRA UM JOVEM COM UMA CAXINHA DE SOM OUVÊ-SE UM FUNK ESTRINDENTE.( Mc Marcinho - Não Para Não SURGEM OUTRAS PESSOAS. (CHEGADA DO ÔNIBUS) JOÃO E MARIA SE ESPREMEM ENTRE OS PASSAGEIROS. FINAL DO FUNK (O ÔNIBUS SAI.) 

Severino:Virgem Santa... que me deu até um zumbido na cabeça... essa mocidade aqui da cidade grande chama cada coisa de música... que isso minha gente?... Bom cada um com seu jeito ne mesmo... então eu estava dizendo que Meire Cleide mais eu, fizemos lá as coisas ne... com Fagner cantado na Web... e vamos ter um Severininho, e é pra dar uma vida melhor pra ele, diferente dessa nossa vida severina...que eu estou aqui apresentando minha arte, pra juntar uns caraminguadinhos... Meu filho mais Meire Cleide vai ser doutor... Vai entender das letras... nós já estamos juntando um dinheirinho que pra pagar os estudos do menino... como minha flor a Meire Cleide.. estava indisposta deixei ela dormindo e sai de fininho... 

ENTRA MEIRE CLEIDE (BARRIGA DE 8 MESES) 

Meire Cleide: Quer dizer então que o artista me deixou dormindo e veio pra praça se amostrar sozinho? 

Severino: Meire Cleide minha flor!... mas se eu estava falando pro povo agora mesmo do nosso amor.. não é não gente? Do nosso Severininho... da música de Fagner... 

Meire Cleide: (Envergonhada) Tu não tem jeito... contando nossas intimidades... bora trabalhar nosso teatro homem, que o povo quer saber dessas histórias não. 

Dona Ceiça e Seu Jão: (Abraçados) quem é que não gosta de história de amor? 

ARRUMAM O PALCO ESTENDENDO UMA “LONA VERMELHA DE FUNDO”  

Severino: Peço a atenção da senhora, do senhor, do rapaz da jovem do menino e da menininha, Companheiros, Camaradas escute com atenção! ... nosso teatrinho é coisa bem rápida... Mas não pense que é brincadeira... vou apresentar a vocês os verdadeiros artistas são poetas do povo, revolucionários, socialistas! que falam de amor, mais não é só amor de Severino por Severina que faz Severininho... é amor de gente por gente, amor, vermelho amor! 

Segurança: (Na espreita) Eita que eu estou achando que esses artistas São comunistas!  

Seu Jão: Comunista?... Então vou me achegar pra escutar... la no sindicato falaram que Comunismo é coisa de um tão de Marx, que dizia que os trabalhadores do mundo tem que se unir pra defender os seus direitos... 

Dona Ceiça: Será que não é coisa maligna? É bom se achegar e escutar tudo direitinho... se for coisa do mal... conto pro padre... cruz credo Ave Maria! 

SegurançaQue padre que nada... se for coisa de comunismo chamo logo é patrão que ele acaba com a rebelião. 

OS DOIS SE SENTAM NA PLATEIA. O SEGURANÇA OBSERVA DESCONFIADO. INICIA O TEATROMEIRE CLEIDE RECITA  

M. CLEIDE: Amor, vermelho amor... Ágape e Cristão, Ubuntu... Minha existência significada no seu existir! 

Severino: Se é de política que estamos a falar? Ora seu moço chega mais pra cá... ouça com o coração deixa falar sua razão... esqueça os interesses do patrão! 

SEU JÃO: Isso eu sei de cor... a força do opressor vem da cumplicidade do oprimido! 

Segurança: vocês não me enganam com esse falatório, fazendo de conta que é arte estão é falando de política! 

Severino: E política meu caro é arte do bem comum, definida por Aristóteles lá na Grécia antiga!  
Segurança:  Agora já se passou dos limites, por cor vermelha no amor já era de se suspeitar... agora vem falando de filosofia, o patrão não vai gostar! (se afasta chamando ao celular) 

M. CLEIDE: Amor, vermelho amor, Amor que ama a humanidade, defende o oprimido quando este tem sua vida expropriada! 


O SEGURANÇA INTERROMPE VIOLENTAMENTE A CENA, SEGUIDO POR OUTROS. ARRENCAM A TELA VERMERLHA E CONFISCAM A CAIXA E OS BONECOS, DONA CEIÇA E SEU JÃO TENTAM SALVAR OS PRODUTOS DO CARRINHO DE DOCES. 

Segurança: Vamos parar com essa baderna... isso aqui é propriedade privada... pode levar... 

Severino: Por favor senhor autoridade... só estamos fazendo arte...  

Segurança: Já falei, as tranqueiras pode aprender e os baderneiros acho bom dar o fora ou acaba indo em cana por perturbação da ordem publica. 

Jão: Deixa os bonecos estava tão bonito o espetáculo... 

Segurança: Quem é você? 

Jão: O senhor me conhece... sou Seu Jão... trabalhei ai na construção do predio... 

Segurança: Que atrevimento... e essas porcarias... aprende tudo 

Ceição: Mais é meu carrinho... que mal há de fazer maça do amor e algodão doce... não leva não moço é meu ganha pão. 

Meire Cleide: Ninguem aqui é crimonoso, o senhor nos trate com mais respeito, que conhecemos nossos direitos 

Segurança: Se não fosse esse barrigão ia ver o que são seus direitos! 

Severino: Ai que o Senhor não fale assim com minha flor... 

Segurança: Leva todo mundo pra delegacia... atua por desacato a autoridade, e perturbação da ordem pública. 

CONFUSÃO OS QUATRO SÃO LEVADOS. CAI A LUZ MÚSICA CHICO BUARQUE (APESAR DE VOCÊ) VÁRIOS ARTISTAS SAEM DO MEIO DA PLATEIA E FAZEM UM CARNAVAL CULTURAL DURANTE A MÚSICA 

3ª CENA: JOÃO E MARIA RETORNAM DA ESCOLA E PROCURAM PELOS PAIS. 
Maria: Olha isso... o Carrinho da mãe... esta tudo quebrado 

João: E as ferramentas do Pai... tudo espelhado, ele nunca abandonou o serviço... Alguém deve ter visto o que aconteceu 

Maria:  Boa coisa é que não foi... ai meu Deus, aquela mania que eles tem que se meter em tudo o que acontece na rua, aposto que se meteram em encrenca.  

João: Vou perguntar pro Segurança...ele não sai daí deve saber... Moço, o senhor viu a mulher da Barraquinha de doces e o... 

Segurança: Já teve confusão de mais por aqui... vão andando que isso aqui é propriedade privada 

João: A rua é pública... o senhor pode mandar ai dentro  

Segurança: Mais um comunistasinha... estou te reconhecendo... é filho daqueles baderneiros, pois saiba que estão em cana, e te mando jogar na Febém também se ficar perturbando a ordem... sumam daqui! 

João: Baderneiros!? 

Maria: (Pucha o Irmão assustada) O pai e a mãe fora presos... vem João... ai meu Deus que vergonha! 

João: Vergonha por que?... Eles dão um duro danando pra sustentar a gente... o pai é o homem  mais digno que eu conheço... ele nunca que ia fazer baderna... e a mãe? Vou já lá na delegacia e ver o que aconteceu... (Grita para o Segurança) Isso não vai ficar assim não, o senhor não pode me tratar assim não, seu pau mandado... 

Segurança: (saca uma armaSai daqui marginal... não vou falar duas vezes! 

Maria: Pelo amor de deus moço... Cala a boca João! Vamos (Saem correndo) 

ESBARRAM NO CAMARADA SEVERINO, AMIGO DE SEU JÃO. 

Camarada Severino: Calma minha gente que o Brasil é grande! 

Maria: (desesperada) Ai tio... Prenderam o pai e mãe! E tem um homem atrás da gente com uma arma! 

Camarada Severino: Calma filha... que história é essa de arma Junior? 

João: Miserável, filho de uma... 

Maria: Cala a boca meu... você é igualzinho o pai... 

Camarada Severino: Calma vocês dois, o camarada João me ligou... o que aconteceu aqui foi uma confusão, um abuso de poder... seus pais não fizeram nada de errado... o advogado do sindicato já esta indo lá... vim aqui tranquilizar vocês. 

João: Aposto que foi aquele maldito... pau mandado miserável... isso não pode ficar assim... 

Maria: Ficar assim não!... pode piorar muito mais, com você levando um tiro... ai que vergonha... meus pais presos...) 

João: Eu tenho é orgulho, o pai não baixa a cabeça... ele tem dignidade. 

Camarada Severino: Tem que ter orgulho mesmo... Seu pai é um camarada que não se cala diante da injustiça... foi preso defendendo um casal de artista de rua... agora vamos lá buscar eles... 

Maria: Eu não vou na delegacia... Já imaginou se a galera fica sabendo? 

João: Putz menina acorda... para de se preocupar com seus amigos fúteis, duvido que os pais daqueles babacas tenham um terço da dignidade que os nossos velhos tem. 

Maria: Cale a boca meu... você que é um retardo... Cdfzinho, com essa conversa de estudar, fazer movimento de direito... eu to fora, quero é curtir minha vida... 

Camarada Severino: Ei... parem já com isso, que já carreguei os dois no colo, e não foi assim que vocês foram educados! Vai pra casa menina e esfria essa cabeça, e você vem comigo. 

Maria: Ai tio... não vem com sermão você também... to cheia dessa droga de vida... (coloca os fones no ouvido) E vou pra casa na hora que quiser ta ligado?.. 

João: Nossa mano... se o pai te escuta... 
  
Camarada Severino: Bora Junior... sua irmã ta de cabeça quente! (Beija carinhosamente a cabeça dela) tudo esta bem quando acaba bem... e esta longe do fim... pensa nisso! (saem) 

SOZINHA, MARIA CHORA, RECOLHE OS PERTENCES DOS PAIS QUE FICARAM ESPALHADOS PELO CHÃO. 

Maria: Eu juro mãe... um dia eu vou te tirar dessa vida... te levar no cabeleireiro, pra fazer as unhas... te comprar uma roupa linda... e você pai?... a vida toda mexendo cimento... se metendo em confusão pra defender os outros... Acho que eu passei mais tempo da minha vida nessa praça do que em casa... Droga!... o pai e o Idiota do meu irmão estão certos... essa merda de vida não é justa! (Tira um spray da bolsa e desenha no muro) + amor por favor!  

VOLTA O SEGURANÇA... O COLETIVO É CONVIDADO A DEBATER E ESCOLHER O FINAL DA TRAMA. 

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